Serra da Canastra: onde tudo começou
A jornada começou à porta da Serra da Canastra, onde encontramos Warley, nosso velho conhecido. Ele nos guiou até seu novo projeto: a imponente Fazenda São Pedro da Canastra, cravada em Tapira, no Cerrado Mineiro.
No caminho passamos por uma barragem colossal e mineradoras que pareciam nos colocar numa terra de gigantes, com seus tratores e caminhões brutos pra lá e pra cá. A estrada, serpenteando a represa dos garimpeiros da Fortune 500, nos levou a mais de 1200 metros de altitude, onde finalmente avistamos a Fazenda São Pedro da Canastra. Produtora de citrus, uvas e, claro, café. Tudo ali transpirava grandeza e investimento – e era óbvio que ninguém investiria tanto assim para produzir qualquer cafezinho meia boca.
Depois de um café da manhã reforçado com dezenas de pães de queijo, partimos para conhecer a estrutura da fazenda. De barriga cheia, pudemos constatar que o investimento não era só visual, pois estava presente em cada etapa do processo, refletido especialmente na qualidade da xícara que degustamos.
Voltamos ao escritório, mas os pães de queijo tinham sumido “misteriosamente” – devorados pela equipe, que, certamente, torceu para que sobrasse algo para eles. Então fomos ao que interessava, e Warley preparou a mesa com seus oito melhores lotes. O aroma no ar era quase indecente.
As torras estavam perfeitas. De um lado da mesa, cafés delicados, doces, equilibrados, mas nada que nos chamasse a atenção. Do outro, as joias da São Pedro: cafés fermentados, intensos, com sabor e acidez elevados ao máximo. Escolhemos nossos preferidos e os encaminhamos para a diretoria. Em breve, saberemos se os cafés entrarão em nosso portfólio.
Um reencontro, um café morno e um dia maravilhoso
No segundo dia, acordamos às 4h30min com um hóspede barulhento do hotel de Araxá e logo fomos visitar a Fazenda Barinas, uma propriedade pela qual temos um carinho diferenciado desde que compramos seu primeiro café especial, lá em 2016. Após um hiato por problemas climáticos, estávamos de volta para provar os cafés com o Tiago.
O Fera estava animado. Fez as torras, apesar de não ter prática, e nos recebeu com pão de queijo e o melhor espresso do ano. Inesperado, mas delicioso – e extraído em uma Jura super automática, que imaginávamos ter sido inventada por algum Jurandir.
Essas viagens são para conhecer produtores, entender seus processos, provar cafés e compartilhar a experiência, mas, no fundo, acabam sendo sobre comida – queijo e pão de queijo, especificamente. Entre a Serra do Salitre e a Canastra, Tiago nos apresentou um queijo cremoso, sem furinhos, fresco, branco e com um leve sabor salgado na casca. Inesquecível. Claro, provamos oito cafés em sequência.
Agora falando em primeira pessoa, como caçador de cafés, preciso me policiar para que a admiração pelos produtores não atrapalhe a negociação. A língua deve estar calibrada para escolher o melhor café para quem vai beber, não só para os comedores de queijo. Felizmente, Tiago tinha exatamente o que eu procurava: 27 sacas do fermentado que experimentamos e mais 106 sacas de um bourbon mokinha doce e equilibrado. Foi um sucesso.
Depois disso, partimos para conhecer a fazenda. Tiago já tinha planejado tudo com a equipe de filmagem, e lá fomos nós, a cavalo, pelo cafezal. Meu cavalo parecia pouco entusiasmado, mas nos conectamos bem. Foi a segunda vez que andei a cavalo, e não será a última.
Tiago vem de uma longa linhagem de produtores da região, começando com seu avô, que cuidava de leite e plantava café no século passado. Fomos até a Cachoeira da Ventania, que nasce atrás da fazenda. Como todos os caminhos levam à cachoeira, até os indígenas que habitavam a região há séculos utilizavam essas águas. Ainda há vestígios da antiga tribo marcados nas pedras.
Chegamos à cachoeira após uma caminhada de 20 minutos pelo Cerrado, um ambiente único com solo arenoso, árvores de casca grossa e flores de cores terrosas. Tiago arrumou seu fogãozinho, aeropress e canecas. Pegamos a água da cachoeira, mas quando virou para conferir, percebeu que o gás havia acabado. A água ficou morna.
Mesmo assim, o café saiu. Moagem fina e uma longa extração com água morna, e pasmem, ficou bom. Foi uma experiência memorável na natureza.
Terceiro dia: habemus Café São Silvestre e um par de botas
No terceiro dia, pegamos a estrada rumo a Carmo do Paranaíba para provar cafés na Fazenda São Silvestre, com o Silio, antes do almoço. Fomos novamente surpreendidos pela qualidade e variedade dos sabores. Controle minucioso, prática e paixão são evidentes em tudo o que fazem. Gostei de sete das 14 amostras provadas. O martelo foi batido ali. Então teremos microlotes deles mais uma vez.
Após uma aula de mercado com Ismael e seu filho Rômulo, fomos comprar uma bota para o Marcello, que havia viajado pra roça com um tênis branco. Fomos direto à fábrica e conhecemos Leo, um jovem elétrico, viciado em café e mestre em fazer botas. Ele nos mostrou todo o processo e ainda fez chaveiros em couro personalizados com “Moka Clube” para nós.
Dia de aprender com quem sabe: o mestre Pioio
No dia seguinte, visitamos o Pioio, da Fazenda Esperança. Ele é um dos maiores entendidos de variedades de café que já conheci. Sua fazenda é uma verdadeira biblioteca a céu aberto. Conversamos sobre variedades durante o café da manhã, enquanto assistíamos à final da canoagem das Olimpíadas de Paris.
Passamos a manhã caminhando pela fazenda e provando cafés. Algumas variedades eram boas, outras controversas, mas, no geral, todos muito doces e intensos. Escolhemos alguns para incluir no nosso portfólio e agora estou ansioso para ver o que nossos clientes vão achar.
À tarde, Karol, nossa amiga e nora de Pioio, me levou para conhecer a Fazenda Lenheiros, onde Dona Ana, uma mulher forte que assumiu a fazenda após a morte do marido, nos mostrou sua produção de café e leite. Suas vacas tomam cinco banhos por dia, algo que nunca soube.
Mais de 3 mil quilômetros e muita história para contar. Sim, nós caçamos cafés verídicos
Voltamos ao hotel para descansar e nos preparar para o último dia, em Rio Paranaíba, onde visitamos Tiago da Fazenda Rodomunho. Almoçamos com seu pai, falando sobre política e futebol, e passamos a tarde na varanda, comendo paçoca e doce de leite, enquanto sua mãe contava sobre a migração de Umuarama, no Paraná, para o Cerrado Mineiro.
No último dia, reencontramos Deyvid, em Campos Altos. Provamos oito cafés, todos com perfis sensoriais nítidos: rapadura, maracujá e castanhas. Conhecemos seu avô, Zé Maria, um cruzeirense curioso, que queria entender por que alguém sairia de Curitiba para provar café no meio de Minas Gerais.
Foi uma viagem e tanto – mais de 3 mil quilômetros, muito café, pão de queijo, conversa boa e algumas cachacinhas. Voltamos em segurança e de botas novas.