– E aí, cadê a droga? – chegou perguntando com a mão trêmula estendida em minha direção, um sujeito trajado em roupas de peão deixando a fábrica.
– Hãm?
– Cadê o café? Você é do Brasil, e eu não conhecia ninguém do Brasil até então. Você não anda com um pote de café no bolso esquerdo? – seguiu falando em tom ainda ofegante enquanto arrancava a jaqueta laranjada da Companhia de Mineração local.
– Não. Na verdade eu nem gosto muito. Café, pra mim, era apenas uma desculpa pra matar um tempo no meu antigo trabalho – respondi
– Que bosta, hein!?
Este foi meu primeiro diálogo com Mohammed Abdullah Nasir. Eu estava sentado numa das mesas do Castelo Café, Rua 68, Marsa Alam, onde os ventos soprados do Mar Vermelho amenizam o calor da fervente chaleira egípcia.
Não havia nada na minha cara dizendo que eu, agora, trabalho com café. Parecia, e era, uma grande coincidência. Mohammed é chefe no controle de qualidade do bandejão da mina de ouro e, por conhecer pedras preciosas e atestar o padrão “A” na alimentação, sabia muito bem do poder do CAFÉ DO BRASIL.
– Sabe, cara, café é pior que droga, haxixe, cocaína. É a minha coisa, sabe? – dizia visivelmente excitado mexendo seu maxilar ossudo pra cima e pra baixo, seus olhos saltavam as cavidades.
– Trabalho para os melhores no Brasil – eu lhe disse mostrando umas fotos do Moka Clube.
– Cara, eu preciso de apenas uma xícara no dia, e esse momento é surreal. Eu já tomei muito café, do mundo inteiro. Posso falar? Não há nada como o do Brasil.
– É eu sei.
– Não parece que sabe. Cara, da última vez que juntei dinheiro para comprar um café brasileiro aqui no Egito, tomei de conta gotas e, no final, escondi o pacote vazio na gaveta.
– Cacete!
– É, eu esperava todos saírem da sala pra eu dar uma boa cafungada naquilo. Era a minha nebulização diária, meu contato com Allah.
E segui observando o fetiche de Mohammed, morador da costa do Mar Vermelho, querendo transformar a água azul de um mar com nome de sangue em caldo negro de roça brasileira. Eu estava frente a frente com um xará do profeta do islamismo, que, na verdade sonhava em bancar o Moisés, abrindo aquela imensidão de água negra de sua sacada pra cruzar o caminho da liberdade com os seus. O café é realmente um milagre, curvei-me.
Saí dali me sentindo meio bosta. Acontece quando você não tem um saco de café verídico no bolso esquerdo.